Título
DO IMPRESCINDÍVEL AO TUDO: IDENTIDADE PROFISSIONAL DO ENFERMEIRO DA ATENÇÃO BÁSICA
Autores
Mayara Evangelista de Andrade (Relatora)
Marcelo Costa Fernandes
Joyce Wadna Rodrigues de Souza
Modalidade
Comunicação coordenada
Área
Enfermagem em Saúde Coletiva

INTRODUÇÃO
A enfermagem é uma profissão que tem como núcleo central o cuidado ao sujeito, o qual possui necessidades específicas no âmbito da promoção e reabilitação da saúde e prevenção de doenças. São várias as áreas de atuação do enfermeiro, o que demanda competências específicas para cada cenário de atenção e consequentemente uma identidade delimitada.

Segundo Dubar (2005) a identidade é a soma de vários fatores influenciáveis, como por exemplo, o julgamento das demais pessoas e os seus próprios ideais, suas crenças, suas orientações e autodefinições. Já a identidade profissional envolve cada indivíduo de particularidades e características no qual desenham o perfil geral do profissional através do reconhecimento de suas habilidades práticas, conhecimentos específicos e atitudes, dotando-os assim de autonomia profissional (GOMES, 2002).

Por sua vez, a identidade profissional do enfermeiro, com base nas discussões de Netto e Ramos (2004), está implicada com a relação com o outro e com si mesmo. Se constrói gradativamente de acordo com o convívio no ambiente de trabalho, o qual facilita a reflexão crítica, assim como o julgamento expressos em diversas situações cotidianas do profissional, principalmente na forma como o enfermeiro se vê, como vê o outro, qual o papel que foi desempenhado e o resultado do trabalho.

OBJETIVOS
Compreender a percepção dos enfermeiros quanto a sua identidade profissional no cenário da Atenção Básica.

MÉTODO
Trata-se de um estudo descritivo, com abordagem qualitativa. A pesquisa foi realizada com 16 enfermeiros da na Atenção Básica do município de Cajazeiras no estado da Paraíba. Foi adotado como critério de inclusão somente os enfermeiros que trabalham há mais de doze meses na unidade de saúde. Entende-se que esse período seja o mínimo necessário para que o enfermeiro esteja familiarizado com a dinâmica da AB. Foram adotados como critérios de exclusão os enfermeiros que estavam de férias, licença-saúde ou afastados.

Utilizou-se a entrevista semiestruturada como a técnica de coleta de dados. As informações deste estudo foram analisadas por meio da Análise de Discurso (AD), compreendendo que esta possui respaldo para o entendimento dos sentidos interconectados ao tempo e ao espaço das práticas, mediado pelo discurso, pela história e seu contexto social, sendo este discurso visto ainda como espaço de compreensão entre língua, ideologia e sentido para aqueles que o proferem.

A AD é uma disciplina interpretativa, que almeja interrogar os sentidos fixados em inúmeras formas de produção, tanto verbal quanto não verbal, bastando que sua materialidade elabore sentidos para a interpretação. O entendimento dos sentidos leva em consideração, o contexto social e histórico do indivíduo que o enunciou e faz uma re-leitura, uma nova interpretação do que foi dito (CAREGNATO; MUTTI, 2006).

Segundo Orlandi (2006) a AD retrata uma teoria crítica que aborda a determinação histórica dos processos de significação, o que pressupõe trabalhar com os processos e as condições de produção da linguagem. Nesse sentido, considera-se a materialidade, de natureza histórico-social do texto, e, a partir da historicidade inscrita nele, objetiva-se a compreensão da sua relação com a exterioridade que o constitui e dos processos de constituição do sujeito, que instituem o funcionamento do discurso, ou seja, o discurso e o texto são considerados distintamente, já que o discurso é definido como prática linguística e o texto como produto do discurso que conserva nele mesmo as pistas, os elementos que dizem respeito à materialidade histórica.

O discurso, de acordo com Orlandi (2007) torna possíveis as reflexões acerca dos sujeitos e suas situações, desconstruindo o sentido de real que é apresentada, trabalhando, com isso, seus processos de produção. Assim, o discurso pode ser visto como a conexão entre o inconsciente e a linguagem.

Neste sentido a AD configura-se como dispositivo utilizado para interpretar os vestígios e pistas deixados pelos sujeitos ao longo do corpus. Para tanto, Orlandi (2009) direciona três etapas, as quais foram percorridas ao longo da análise: passagem da superfície linguística para o objeto discursivo; passagem do objeto discursivo para o processo discursivo e passagem do objeto discursivo para o processo discursivo.
A pesquisa teve início após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da instituição de ensino, sob número de parecer 965879.

RESULTADOS E DISCUSSÃO
O enfermeiro é considerado um pilar na AB devido a gama de atividades que são desempenhadas por esse profissional, conforme foi abordado minuciosamente na Formação Discursiva sobre o cotidiano de práticas do enfermeiro na Atenção Básica e a implicação na identidade profissional. Dessa forma, o enfermeiro torna-se imprescindível para que o trabalho na Estratégia Saúde da Família (ESF) aconteça de forma efetiva e eficaz. 

Essa enunciação é bem marcante nos dizeres metafóricos dos enfermeiros. A metáfora é definida como o fenômeno semântico construído por uma substituição contextual, pelos deslizamentos de sentidos, é a tomada de uma palavra pela outra por meio de um mecanismo de transferência (OLANDI, 2013), onde o sentido da expressão identidade profissional do enfermeiro é transferido para a palavra tudo, como apresentado a seguir. 

Enf02: _de tudo é com a gente.

Enf03:_ [...] o enfermeiro é tudo um pouco, é coordenador, é orientador, é psicólogo, porque é o que mais tem, é ombro amigo é tudo, é tudo, é tudo mesmo, é burocrático/, é tudo, ele se vira nos 30 mesmo (expressão metafórica)

Enf05:_[...] o enfermeiro é o responsável por tudo

Enf14:_[...] é muita coisa pra enfermeiro, tudo é o enfermeiro

A fragilidade da identidade profissional do enfermeiro é determinada pela falta de especificação do papel próprio do profissional. É importante ressaltar que, na AB, tudo está relacionado à capacitação do enfermeiro, o que traduz, na prática, uma não especificidade desse profissional em saber-fazer, resultando em atribulações na conformação da identidade profissional. Logo, o enfermeiro não consegue delimitar seu próprio papel em virtude da sua atitude pessoal e profissional que se dispõe a fazer tudo o que diz respeito ao cliente e a unidade de saúde (GOMES; OLIVEIRA, 2005) como é notório nas falas acima.

Entende-se que o enfermeiro é elemento principal da AB, sendo responsável pela efetivação e consolidação da ESF. Verifica-se o destaque no que se refere as práticas de processos cuidativos e gerenciais, assim como o domínio sobre todas as atividades que são realizadas no âmbito de trabalho, resultando em uma sobrecarga excessiva de funções, como pode ser visto na ênfase do dizer dos participantes quando relatam que o enfermeiro é responsável por tudo.

Esta sobrecarga de trabalho é reconhecida como um desdobramento da contraditória polivalência que leva o enfermeiro a fazer de tudo um pouco nesse cenário de atuação. A polivalência do enfermeiro estabelece um paradoxo na sua prática profissional, pois os motivos da valorização e reconhecimento são responsáveis pela sobrecarga de trabalho a que está sujeito (CAÇADOR, 2012), elementos estes já abordados anteriormente.

Em uma pesquisa realizada em São Paulo, acerca das atribuições do enfermeiro na unidade básica de saúde sobre percepções e expectativas dos auxiliares de enfermagem, foram encontrados resultados semelhantes no que diz respeito à relação do trabalho do enfermeiro ao tudo (SOARES, BIAGOLINI; BERTOLOZZI, 2013).

Assim como também em outro estudo realizado no interior do Rio Grande do Sul onde os resultados fomentam a imagem do enfermeiro na ESF como útil e necessário (BECK et al., 2009), sendo a presença desse profissional na unidade de saúde como imprescindível para o prosseguimento do processo de trabalho.

Desse modo percebe-se a indispensável função do profissional enfermeiro no âmbito da AB, tornando-o um ator substancial para as atividades sejam efetivadas e que todas as necessidades dos clientes e unidade sejam sanadas.

Mas há de questionar os limites onde a metáfora do tudo é um ponto que demonstra a imprescindibilidade do enfermeiro, ou que na verdade se trata de uma falácia, em que na verdade demonstra a exploração de uma categoria profissional que ao não firmar a sua identidade profissional, acaba se responsabilizando por uma série de ações da unidade básica de saúde e assimilando, com isso, o tudo do serviço, fazendo com que haja o distanciamento de um verdadeiro reconhecimento do seu papel na AB.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível perceber neste estudo que o enfermeiro se percebe como imprescindível ao serviço da AB, porém questiona-se o quanto realmente este profissional é fundamental ao serviço, pois em diversas situações o enfermeiro se sobrecarga com uma demanda excessiva de atribuições as quais poderiam ser compartilhadas com outros profissionais. Essa situação proporciona o sentimento que o enfermeiro faz uma gama de ações e às vezes não faz nada, dando o sentindo de “ uma gotinha no oceano”.

Desta forma, entende-se como a Formação Ideológica desta investigação o Fazer da (In) visibilidade, visto que o enfermeiro tenta nesse movimento desempenhar ações que possam repassar a visibilidade de suas práticas, entretanto acaba por se perder ao pulverizar excessivamente as suas práticas, principalmente em algumas situações por desconhecer os limites éticos e legais de sua profissão.

REFERÊNCIAS
BECK, C. L. C.et al. Identidade profissional dos enfermeiros de serviços de saúde municipal. CogitareEnferm.v.14,n.1,114-9, 2009.
CAÇADOR, B. S. C. Configuração identitária do enfermeiro do contexto da estratégia de saúde da família. 2012. Dissertação (Mestrado). Belo Horizonte (MG). Universidade Federal de Minas Gerais, UFGM, Programa de Pós-Graduação da Escola de Enfermagem, 2012.
CAREGNATO, R. C. A.; MUTTI, R. Pesquisa qualitativa: análise de discurso versus análise de conteúdo. Texto contexto – enferm. Florianópolis, v. 15, n. 4, p. 679-84, 2006.
DUBAR, C. A socialização: construção das identidades sociais e profissionais. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
GOMES, A.M.T. OLIVEIRA,D.C. A auto e heteroimagem profissional do enfermeiro em saúde pública: um estudo de representações sociais. Rev. LatinoamEnferm.; v.13, n. 6, p.1011-8, 2005.
GOMES A.M.T. A Autonomia Profissional do Enfermeiro em Saúde Pública: um estudo de representações sociais. [dissertação]. Rio de Janeiro (RJ): Faculdade de Enfermagem/ UERJ; 2002.
NETTO, L.F.S. A; RAMOS, F.R.S. Considerações sobre o processo de construção da identidade do enfermeiro no cotidiano de trabalho.Rev. Latino-am Enfermagem. v.12, n.1, p.50-57, 2004.
ORLANDI, E.P. Análise de Discurso: Princípios e procedimentos- 11º Edição, Campinas, SP: Pontes Editores, 2013.
ORLANDI, E. P. Análise de discurso. In: ORLANDI, E. P.; RODRIGUES, S. L. (Org.). Discurso e textualidade: análise de discurso – o texto nos estudos de linguagem, texto e autoria – semiótica, filologia – retórica e argumentação. Campina: Pontes, 2006a.
ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas: Pontes, 2006b.
ORLANDI, E. P. Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 5 ed. Campinas: Pontes Editores, 2007. 156 p.
ORLANDI, E. P. Análise de discurso: princípios e fundamentos. 8 ed. Campinas: Pontes, 2009.
SOARES, C. E. S.; BIAGOLINI, R. E. M.; BERTOLOZZI, M. R. Atribuicoes do enfermeiro na unidade basica de saude: percepcoes e expectativas dos auxiliares de Enfermagem. Rev. esc. enferm. USP, São Paulo, v. 47, n. 4, p. 915-921, ago. 2013